Religiosos e fiéis leigos mexicanos deram diversas provas de coragem e heroísmo ao defenderem a fé em Jesus Cristo, enquanto eram covardemente acossados e assassinados pelo governo tirânico de Plutarco Elías Calles. O resultado foi uma das mais bárbaras perseguições contra os cristãos ocorridas no século XX: a Guerra dos Cristeros (1926-1929), na qual católicos lutaram contra as tropas federais mexicanas, resultando na perda de várias vidas e no ganho de inúmeros mártires para a Igreja Católica.
O início da Guerra dos Cristeros – A Constituição de 1917
O México já possuía um histórico de perseguição religiosa aos cristãos. Porém, as agressões aumentaram a partir de 1917, quando uma Constituição com teor altamente anticlerical foi promulgada e buscava acabar com a presença da Igreja Católica no país.
Seus artigos exigiam uma educação laica, proibiam a existência das ordens monásticas e afirmavam que os membros do clero não poderiam mais vestir seus hábitos religiosos. Estes eram apenas alguns dos muitos ataques à Igreja.
Os bispos mexicanos protestaram e exigiram reformas na Constituição para que pudessem ter os seus direitos religiosos de volta. Sustentavam que os católicos não reconheciam os artigos que negavam a liberdade e os dogmas religiosos, e alegavam que era impossível obedecê-los sem trair a fé na Igreja.
O cenário se agravou quando Plutarco Elías Calles assumiu o poder em 1924. Calles odiava os cristãos, considerou os protestos dos bispos uma grave afronta ao seu governo e dizia que não haveria outra escolha aos católicos a não ser o rigoroso cumprimento das leis.
Calles estava disposto a apagar qualquer vestígio da Igreja Católica na sociedade mexicana. Logo, ordenou a prisão de sacerdotes mexicanos e a imediata deportação dos que fossem estrangeiros.
Não satisfeito, impôs a chamada “Lei Calles”, que fechava as escolas religiosas e limitava o número de sacerdotes na sociedade. Criou ainda a cismática “Igreja católica apostólica mexicana”, que não estava submetida à autoridade do Papa em Roma. Como resposta a essa afronta, a Associação Católica da Juventude Mexicana fundou a Liga Nacional para a Defesa da Liberdade Religiosa com a intenção de reconquistar para a Igreja os direitos perdidos.
De início, os cristãos resistiram pacificamente, incentivando um boicote ao governo, pedindo para que os impostos não fossem pagos. Calles, furioso, ordenou a prisão de todos os fundadores da Liga. Foi então que o Papa Pio XI se manifestou condenando as ações do governo.
Neste momento, as perspectivas para os cristãos eram desoladoras: o povo foi privado da Eucaristia, os sacrários foram esvaziados, bispos foram expulsos do país, sacerdotes e leigos foram assassinados. Tudo isso fez os cristãos entenderem que havia chegado a hora de reagir, mesmo que fosse necessário fazer o uso da força para proteger suas próprias vidas e salvaguardar a fé.
A Guerra dos Cristeros
Fortemente abalada pelo assassinato de um padre e três leigos, a Liga incentivou que os cristãos empunhassem armas pela primeira vez. Começava a Guerra dos Cristeros.
Os resistentes passaram a ser conhecidos como “Cristeros”, nome pejorativo dado a eles por causa do lema “Viva Cristo Rei”. O conflito resultou em cerca de 18 mortes, e eventos do tipo tornaram-se constantes, com diversos sacerdotes sendo martirizados em suas paróquias.
Os Cristeros exigiam que os direitos da Igreja fossem devolvidos e queriam a imediata saída de Calles do governo. O seu grito de guerra “Viva Cristo Rei!” começava a se tornar conhecido em todo o México, sendo adotado e ecoado por diversos de seus participantes.
A posição da Igreja foi manifestada na carta Firmissimam Constatiam, escrita pelo Papa Pio XI e endereçada ao episcopado mexicano.
No documento, o pontífice afirmava que “a licitude do conflito contra as autoridades civis era justificada por conter as condições de causa muito grave, esgotamento dos meios pacíficos e pelos Cristeros terem alguma probabilidade de êxito, pensando-se também que a violência empregada não produziria males maiores do que os que pretendem mediar”.
Boa parte do clero mexicano não apoiava a luta armada e defendia ações diplomáticas para a resolução do conflito. A rebelião se deu por meio de sucessivos combates armados, que ocorreram em diferentes regiões do México. Entretanto, o ditador Calles não se mostrou preocupado com eles de início, até porque as tropas federais saíam vencedoras de grande parte dos embates.
Os Cristeros, em 1927, conquistaram a primeira vitória contra as tropas federais. Em 1929, o seu efetivo era estimado em mais de 20 mil pessoas, majoritariamente voluntários que se alistavam para lutar pelos direitos da fé. Naquele momento, a resposta de Calles passou a ser extremamente violenta, resultando no martírio de muitos cristãos.
O mandato de Calles encerrou-se em 1928, o que poderia sinalizar o fim dos conflitos, mas ele seria sucedido por Álvaro Obregon, que também foi seu antecessor, fiel apoiador e igualmente perseguidor dos cristãos, o que indicava que os conflitos continuariam.
Obregon, porém, não chegou a reassumir o governo. Enquanto comemorava a vitória nas eleições em um restaurante, foi assassinado por um jovem seminarista chamado José de León Toral.
Toral foi preso e seus captores impuseram a autoria intelectual do crime à freira Concepción Acevedo de la Llata, a Madre Conchita. Ele foi condenado à morte. Madre Conchita, injustamente, a 20 anos de prisão, após ser detida e torturada.
O fim dos conflitos
Após a morte de Obregon, Emilio Portes Gil assumiu a presidência interina do México e, apesar de ter as mesmas ideologias que os seus antecessores, optou por buscar uma solução pacífica para o conflito. Com a mediação dos Estados Unidos e as negociações do clero mexicano, sob orientação do Vaticano, um acordo de paz foi traçado e todos os Cristeros foram anistiados pelo governo em 1929.
Entretanto, as leis que incentivaram as lutas armadas não foram revogadas. O que aconteceu de fato foi que o governo parou de fiscalizar o cumprimento delas e a Igreja seguiu em uma espécie de clandestinidade. Inclusive, uma parte dos Cristeros se recusou a entregar as armas, já que Calles ainda era muito influente no meio político. Ambos os fatos alimentavam um constante ambiente de tensão entre cristãos católicos e governo, o qual durou cerca de 50 anos.
O fim dessa tensão ocorreu durante o pontificado de João Paulo II e do governo de Carlos Salinas de Gortari que voltou a conceder liberdade religiosa e jurídica à Igreja Católica em território mexicano.
Os mártires cristeros
A Igreja reconheceu o martírio de várias pessoas durante os anos de conflitos. Muitos fiéis leigos e religiosos foram mortos e dois deles tornaram-se muito conhecidos pelos exemplos de fé inabalável frente ao martírio:
Padre Miguel Agustín Pro
Jesuíta, o padre Pro prestava serviços sacerdotais à Liga e era constantemente perseguido pelo governo. Foi acusado injustamente de participar do atentado a Álvaro Obregón. Foi condenado à morte sem ter direito a um julgamento. No dia da execução, a imprensa foi convidada para registrar o momento.
A intenção do governo era mostrar a imagem de um padre assustado e pedindo por clemência. Contudo, o que se viu foi um homem que orava a Deus pelo perdão de seus algozes. Sereno, assumiu uma posição de cruz no momento do martírio, enquanto segurava um crucifixo e um rosário. Foi beatificado pelo Papa São João Paulo II em 1988.
José Luís Sánchez Del Río
Por ser muito jovem, com apenas 14 anos de idade, não podia se alistar para juntar-se aos Cristeros. De tanto insistir, foi autorizado por seus pais. José Luís Sánchez Del Río dizia: “nunca foi tão fácil conquistar o Céu como agora”. Foi capturado após ceder seu cavalo a um comandante cristero ferido, permitindo que ele pudesse fugir.
Sanchéz foi cruelmente torturado e humilhado, chegando a ter as solas dos pés esfoladas, sendo exigido dele que negasse sua fé em Cristo. O jovem manteve-se firme e, por isso, foi condenado à morte. Suas últimas palavras, antes de ser morto a tiros foram: “Nos vemos no Céu. Viva Cristo Rei! Viva sua mãe, a Virgem de Guadalupe!”. Foi beatificado pelo Papa Bento XVI, em 2005, e canonizado pelo Papa Francisco, em 2016.
Entre os anos de 2000 e 2005, o Papa João Paulo II beatificou 13 pessoas e canonizou outras 25, todos martirizados no conflito, a grande maioria destes foram padres executados pelo governo.
A Guerra Cristera nos ensina ricamente sobre a fé dos mártires. Os Mártires Cristeros foram pessoas conscientes da realeza de Cristo, dispostas a ajudá-lO em sua missão de instaurar o Reino de Deus.
A fé dessas pessoas era tamanha que elas não titubearam em derramar o próprio sangue por amor a Cristo e à Igreja. Os exemplos deixados por eles inspiram os cristãos contemporâneos a buscarem forças enquanto clamam a Deus por fé para defenderem a Igreja de Cristo da injusta perseguição.